4.8.10
Memória Africana I
Todos os anos, quando chega o período maior de férias, no Verão, a memória de África regressa-me em força. O lazer, o calor, as noites estreladas e silenciosas avivam-me as lembranças da vida algo aventurosa que levei em Moçambique, nos anos de brasa de 1973-74.
Sinto que começa a ser tempo de fixar no papel algumas impressões e pontos de vista pessoais, aqueles que só o próprio os pode dar. Não lhes chamo Memórias, porque serão apenas episódios, apontamentos, pequenas reflexões daquele memorável tempo.
A distância dos acontecimentos já admite alguma serenidade reflexiva e, entretanto, a experiência acumulada confere maior objectividade aos nossos juízos comparativos de acções e atitudes então experimentadas.
O tempo que é, inquestionavelmente, inexorável escultor vai modelando, apurando, o sentido crítico dos factos memorados, ganhando-se em perspectiva o que, inevitavelmente, se perderá em pormenor.
Muita coisa sobre a experiência africana, da guerra que Portugal aí sustentou, em três teatros distintos, separados por milhares de quilómetros, num esforço surpreendente para a sua dimensão e para os seus recursos, tem nos últimos anos vindo a lume.
Sob a forma de Memórias ou em versão ficcionada muita matéria tem sido publicada. Pode dizer-se que os historiadores do futuro ficarão com o trabalho facilitado perante tanta matéria-prima já produzida.
Durante o conflito e nos primeiros anos após o seu termo, pouca coisa apareceu sobre o assunto. Antes de Abril de 1974, era difícil que os relatos dessa experiência vissem a luz do dia, excepto se fossem inteiramente concordantes com a Política de então, não democrática, como sabemos, mas tão-pouco tenebrosa, sobretudo na sua fase derradeira, com Marcello Caetano, em que alguma contestação já era ousadamente praticada, sem a correspondente severa repressão do tempo de Salazar, mesmo se as principais estruturas e instrumentos dela, contraditoriamente com a descompressão política anunciada pelo próprio Caetano, permaneciam em vigor.
Convém dizer, todavia, que mesmo com Salazar, a censura prévia não se aplicava à publicação de livros, mas apenas à Imprensa, embora, após a sua edição, os livros pudessem vir a ser apreendidos, resultando daí prejuízo directo para o Editor, bem como para o autor, na forma de processo judicial ou policial, eventualmente incluindo processo na PIDE/DGS, a Polícia política do Regime, com prisão, muitas vezes com sujeição a maus tratos e tortura.
Neste enquadramento, era natural que os possíveis autores das memórias africanas não afectos ao Regime refreassem a sua vontade de as pôr por escrito. Além disso, o conflito decorria ainda e a sua perspectiva histórica também ainda se achava em formação.
Logo a seguir ao 25 de Abril, essa perspectiva tornou-se mais rapidamente perceptiva. Apesar de se viver em Liberdade, algo condicionada, no entanto, para os desafectos ou descrentes das risonhas visões socialistas do futuro, vivia-se sob o influxo de certo constrangimento cultural.
Por ele, ficava, na sociedade portuguesa, forçosamente diminuída a expressão de visões discordantes das revolucionárias dominantes, que, retenha-se, exaltavam tudo o que denegrisse o anterior regime, mesmo se partindo de confessados inimigos dos interesses de Portugal, mesmo se com isso se agredisse o próprio amor pátrio, então visto permanente e obsessivamente como suspeição de pró-salazarismo, quando não mesmo como manifestação de simpatia por qualquer regime de tipo fascista.
Esse clima de euforia revolucionária permitia absurdos como a glorificação de regimes altamente repressivos, desde que se denominassem «socialistas» ou «democracias populares», que de democracia nada tinham e, quanto a populares, estes regimes primavam pela mais fria repressão de qualquer tipo de contestação, cívica que fosse, porque sempre seria apodada de «subversiva», «a soldo do imperialismo» e outras amenidades do estilo corrente na época.
Parece-nos hoje inacreditável, como tanta gente, alguma com altas responsabilidades políticas e culturais, pessoas de indubitável valor intelectual, com méritos firmados em vários domínios da arte e da ciência, agiram com inteira cegueira política, subvertendo os ideais que eles próprios haviam invocado na luta que haviam travado contra um regime político que reputavam ditatorial.
Na verdade, como depois se tornou evidente para muitos, aqueles outros regimes que esta gente apoiava pelo mundo fora, os ditos socialistas ou os designados de democracias populares, revelavam-se incomparavelmente mais repressivos, muito mais cerceadores das liberdades individuais, com economias igualmente muito mais depauperadas, do que o regime que vigorava em Portugal, no tempo de Salazar e Caetano.
Os jovens dos anos 70 levaram algum tempo a perceber estas verdades comezinhas, enquanto durou aquela espécie de embriaguez revolucionária saída do 25 de Abril.
Só depois de Novembro de 1975, com a vitória dos militares moderados sobre os revolucionários, na tentativa de golpe por estes ensaiada, a normalização democrática permitiu a serena confrontação de ideias e o juízo equilibrado das alternativas políticas em disputa.
No que concerne à questão africana, base da principal contestação política final ao regime de Salazar-Caetano, tem de reconhecer-se a falta de visão política dos dirigentes ante-abrilinos, apesar de toda a experiência e maturidade supostamente neles presente.
Tendo desfrutado de longa tranquilidade política nos nossos territórios do ultramar, enquanto iam assistindo às independências das colónias africanas e asiáticas da Inglaterra, da França e da Holanda, na sequência do fim da 2.ª Guerra Mundial, concedidas de boa ou de forçada vontade, os governantes portugueses não aproveitaram, todavia, esse precioso período de tempo para preparar uma adequada e exequível alternativa política, que acautelasse os interesses de Portugal e de todos os cidadãos que lá viviam.
Mesmo acreditando no sentimento de particular afeição dos portugueses pelas terras africanas e asiáticas, era estrita obrigação dos governos de Salazar e Caetano acompanharem a alteração política que se ia desenhando no Mundo, relatiavamente aos domínios coloniais europeus.
A recusa em encarar qualquer solução política para os territórios coloniais que saísse fora do quadro da Constituição de 1933, deixou Portugal irremediavelmente amarrado a uma posição de rigidez insustentável no plano internacional.
É certo que as pressões que Portugal ia sofrer para conceder a independência a esses territórios, principalmente por parte de Americanos e Soviéticos, não eram inocentes, antes resultariam dos interesses que essas mesmas potências sobre eles nutriam, accionando para tanto os seus respectivos peões.
Historicamente, sempre os territórios portugueses de além-mar foram cobiçados. O episódio do mapa cor-de-rosa, que culminaria no Ultimato inglês de 1890, com efeitos acentuadamente traumáticos na consciência popular, habilmente explorados pelos republicanos para desacreditar o regime monárquico, foi mais uma demonstração dessa velha cobiça internacional, que nem a aliança mais antiga da Europa conseguiria esconjurar.
De qualquer maneira, caberia a Portugal compreender as circunstâncias políticas sob as quais os territórios poderiam ser mantidos, competindo-lhe estudar a melhor maneira de defender os seus interesses e os dos seus cidadãos, nas diferentes conjunturas políticas que começavam a tomar corpo no mundo saído da Guerra de 1939-45.
Nessa altura, os Movimentos de Guerrilha, também chamados de Libertação, eram incipientes ou nem sequer existiam ainda. Poderia ter havido alguma abertura política, no sentido de os fazer participar na administração dos territórios, permitindo a sua formação à luz do dia, em pé de igualdade com os demais cidadãos que aí viviam, brancos, pretos e mestiços.
Essa convivência política poderia servir para fomentar uma ulterior independência, com outra estruturação económica dos territórios e com plena manutenção da população europeia neles residente, factor fundamental para o desenvolvimento económico-cultural dos futuros estados.
Se porventura viesse a haver rejeição destes propósitos integracionistas, por parte dos referidos Movimentos, eles próprios se achariam depois em maus lençóis, desacreditados, e facilmente poderiam ser denunciados como agentes de interesses políticos alheios, como, na realidade, já se revelavam, pela inclinação ideológica perfilhada.
Mas a verdade é que, para que tivesse havido essa iniciativa política na questão africana, da parte de Portugal, era preciso que também aqui, na Metróplole, se desse a desejada abertura democrática. Neste ponto, porém, Salazar permaneceria inflexível, desperdiçando oportunidades.
Com Marcello Caetano, tal abertura afigurou-se possível, embora para a resolução do problema africano ela surgisse já um tanto atrasada no tempo, com a situação militar bastante degradada, sobretudo na Guiné e nalguns distritos de Moçambique, principamente nos de Cabo Delgado e Tete. Todavia, nada que não pudesse ser revertido, tivesse havido política inteligente e determinada para a enfrentar.
O imobilismo político de Salazar e Caetano teimava em ignorar a falta de adesão dos portugueses a uma Guerra que ameaçava prolongar-se indefinidamente, convivendo bem o regime com essa falta de convicção guerreira, conquanto as defecções das gerações em idade militar se mantivessem em níveis baixos ou moderados.
Entretanto, a corrupção da máquina militar avançava perigosamente, pagando-se para se obter especialidades não combatentes, pagando-se para fugir à mobilização para o Ultramar, metendo-se cunhas para, uma vez mobilizado, não se ir para o mato, etc., etc. Tudo isto era do conhecimento geral, incluindo, obviamente, das chefias militares.
A partir de 1968-69, sobretudo, com a entrada de Marcello Caetano, em Setembro de 1968, na Presidência do Conselho de Ministros, surgia um forte desejo de abertura e de reformismo, ao mesmo tempo acompanhado de uma onda de contestação juvenil internacional, muito acirrada, sobretudo, nos EUA e em França, tudo redundando numa insofismável quebra de espírito combativo, cada vez mais acentuada, só contrariado nas Tropas Especiais : Comandos, Pára-Quedistas e Fuzileiros Navais, que manteriam, até ao súbito desfecho de Abril de 1974, notável grau de aptidão para combate, de resto, reconhecido pelo próprio inimigo.
A forte mística destas Forças, sustentada no exemplo, no empenhamento, directo e destemido dos seus comandantes, criava nelas um ambiente de alta coesão e operacionalidade, muito distante daquilo a que se assistia na chamada tropa normal, de quadrícula, crescentemente desmotivada, mal instruída, mal preparada e mal enquadrada, mas, em todo o caso, fundamental como objecto de ocupação efectiva do território e como elemento de contacto directo da Administração com as populações indígenas, cuja cooperação e simpatia se procurava atrair e conservar.
No caso específico de Moçambique, nos anos que precederam o golpe revolucionário de Abril de 1974, apenas num breve período final de esforço militar, entre 1970 e 1972, com a passagem de Kaúlza de Arriaga pela Chefia suprema das Forças Armadas, em Moçambique, esse esforço combativo se manifestou em pleno.
Na realidade, só com o lançamento por parte de Kaúlza de Arriaga da célebre Operação Nó Górdio, com envolvimento de poderosos e numerosos meios de combate, foi possível infligir danos significativos nas forças e nas infra-estruturas da Frelimo em Cabo Delgado. No campo estritamente militar, nada de semelhante, todavia, teve sequência, voltando-se depressa à anterior rotina da apatia militar.
Julgo que a avaliação isenta da actuação deste General está por fazer, tendo a sua inclinação política algo extremista e de pendor racista prejudicado o seu nada despiciendo prestígio de estratego militar.
Algumas das suas análises políticas do conflito africano, nomeadamente a questão da sua integração no xadrez político internacional, no quadro da longamente prometida expansão mundial do Comunismo, então ainda em curso, em especial, na América Latina, África e continente asiático, aproximavam-se mais da realidade do que certas presunções, ingénuas, umas, coniventes, outras, dos grupos oposicionistas em Portugal.
De qualquer maneira, quando uma Nação, mergulhada num duradouro conflito militar, perde o entusiasmo de lutar, por falta de convicção política nos fundamentos desse combate, como sucedia no caso português, após um período inicial de inequívoca demonstração de bravura e de firmeza, na condução da contra-guerrilha, começa inevitavelmente a criar-se um sentimento de dúvida e de crescente apatia, entre os seus filhos, o qual, mais cedo ou mais tarde, acaba por revelar-se fatal para o desfecho desse conflito.
Neste estado de espírito dominante, o Exército, no final da décda de 60, já se arrastava com nítida quebra de agressividade, quase se limitando a ocupar território, dissuadindo, quase só pela mera presença, um inimigo, felizmente para nós, pouco numeroso e tecnicamente pouco evoluído, ao contrário do que o ultra-nacionalismo da Frelimo fazia crer e os oposicionistas portugueses inconsciente ou malevolamente depois repetiam sem cessar, em todos os comícios e em todos os órgãos de Comunicação Social, moldando a consciência cívica dos portugueses.
Para nosso maior espanto, ainda hoje o fazem alguns auto-proclamados anti-fascistas portugueses, apesar dos anos passados e da evidência do fraco poder militar da Frelimo, logo posto de manifesto, após a independência, com o aparecimento da guerrilha da Renamo que rapidamente conseguiu, então sim, paralisar Moçambique, destruindo as principais vias de comunicação, isolando províncias, espalhando o pânico e o caos entre as populações.
Na verdade, uma coisa é industriar gente para colocar minas nas picadas, disseminar pelo interior da savana grupos de guerrilheiros para fustigar colunas e aquartelamentos militares, fugindo rapidamente logo a seguir, outra, muito diversa, é assegurar a lei, a ordem e o funcionamento da actividade económica normal num País inteiro.
Isso foi o que aconteceu durante o tempo em que a Frelimo nos guerreou, em que, pese o escasso empenho militar dos portugueses, principalmente depois de 1969, nunca a acção guerreira daquela logrou afectar o desenvovimento económico normal do território, muito menos paralisar as suas actividades regulares.
No entanto, à medida que a guerra se prolongava, sem iniciativa política que lhe vislumbrasse saída, com a absurda equiparação da valia dos territórios na estratégia nacional, crescia o desânimo entre os portugueses e, em particular, entre a sua juventude, sobre quem caía, sublinhemo-lo, o peso efectivo do esforço militar.
O caso da Guiné, por exemplo, deveria ter sido desde muito cedo dissociado dos de Angola e Moçambique. Nada justificava um índice tão alto de baixas militares na Guiné, território comprovadamente desprovido de recursos económicos ou de importância estratégica.
É certo que, se Portugal assim procedesse, poderia ser e seria, imediatamente, acusado de conduzir uma política de calculismo, de cinismo e de incoerência, mas toda a política se pratica num contexto real, marcado de contradições, de imprevistos e não asséptico, idealizado ou académico, obrigando a sua concretização à constante aferição das circunstâncias que a condicionam.
Quando hoje vemos a desgraça em que se transformou a Guné, dói-nos lembrar que tantos dos nossos compatriotas por lá deixaram a vida, na força da juventude, generosa de esforço e de idealismo, ali ceifados por algo que não deu em nada, nem o sangue vertido dessas sacrificadas gerações haveria de despertar sequer um laivo de dor no coração dos demais portugueses, alheios a tal esforço, quando não dele mesmo recriminadores.
Assim aprendemos o que custou a política errada ante-abrilina e a visão egoísta ou leviana dos dirigentes revolucionários que se lhe seguiu, que nem aos mortos prestou homenagem, ignorando-os ou até, com total inconsciência histórica e política, inculpando-os do seu próprio infortúnio.
Creio que virá um tempo em que outros juízos avaliarão melhor tanto sacríficio ingloriamente despendido em África, por centenas de milhares de jovens portugueses, que acabaram por ali sofrer duplo opróbrio, vítimas de uma política errada, inflexível e desajustada das circunstâncias e depois esquecidos, depreciados, como esqueletos incómodos de família decaída guardados em velhos armários esconsos.
Por estas atitudes desonrosas muitas figuras históricas ante e pós-abrilinas um dia pagarão o seu quinhão de responsabilidade, se não política, pelo menos moral, se não em vida, certamente a sua memória, porque os juízos mais ponderados de certos acontecimentos históricos só sobrevêm ao fim de longos anos, quando da cena política e social tiverem já desaparecido os seus protagonistas dominantes e os seus inevitáveis acólitos favorecidos, pinguemente premiados, dando lugar a outros intervenientes, de critério mais são, mais justo, libertos de subserviências e vassalagens, então descabidas e sem préstimo.
Nestas coisas, deve haver clara separação de responsabilidades. O regime político de Salazar-Caetano responderá, no juízo da História, pelos seus erros e desacertos, mas já não é admissível que lhe sejam assacados os demais erros que foram cometidos pelo regime que veio depois, revolucionário, primeiro, a seguir tornado democrático. Não é sequer digno que assim se proceda.
Sabe-se que há erros políticos, cometidos num dado período histórico, por certa geração de dirigentes políticos, que causam condicionamentos ulteriores díficeis ou impossíveis de alterar para os que, à cabeça do Estado, têm de continuar a sua acção politíca.
Acham-se estes depois fortementos limitados na sua capacidade de mudar o rumo tomado dos acontecimentos. Todavia, esta comprovada situação não elimina a responsabilidade dos novos agentes políticos.
Cada geração, cada indivíduo, respondem, ante os seus semelhantes, pelas acções que praticam, nas circunstâncias em que são chamados a intervir.
Salazar e Caetano respondem pelo que fizeram ou deixaram de fazer, quando dirigiram a Nação. Os dirigentes políticos que depois deles vieram, uns revolucionários exaltados, outros moderados democratas, terão de assumir a sua quota de responsabilidade pelos acontecimentos políticos que a sua acção desencadeou, na Metrópole e, sobretudo, no Ultramar.
Não é aceitável que se diga desprendidamente que tudo o que foi feito no Ultramar, no capítulo da Descolonização dos territórios, foi o possível, pelo condicionamento político legado do anterior regime, agravado pela falta de combatividade das tropas na altura estacionadas nos territórios.
Esta atitude, traduzindo já certa evolução política da que antes designava aquela Descolonização simplesmente como exemplar, continua a ser insatisfatória, por pretender desresponsabilizar os agentes políticos dela.
Nem os próprios a deveriam perfilhar, porque lhes retira mérito interventivo, figurando-os como meros autómatos consumadores de decisões alheias.
É preferível confessarem o seu fracasso em sustentar posições políticas próprias, correspondentes aos interesses do seu País, a atribuirem as suas falhas aos políticos anteriores ou aos militares que cumpriam comissões em África.
Esta posição, contudo, é a que se colhe de algumas memórias de responsáveis políticos da Descolonização, em particular, dos livros, sobre este tema, para nós eternamente polémico, já escritos por Almeida Santos, os seus dois grossos volumes, intitulados «Quase Memórias», vindos a público, em 2006.
São mais de mil páginas escritas em bom português, releve-se, que tratam da questão das colónias portuguesas, nos períodos de antes e depois de Abril de 1974. No primeiro volume, Almeida Santos aborda fase, ou melhor, os malefícios do Colonialismo e, no segundo, os processos de descolonização, colónia por colónia, com bastante pormenor informativo.
Pela iniciativa de nos apresentar a sua versão dos acontecimentos, teremos de louvar Almeida Santos, embora todos sentíssemos que tal tarefa nos era devida, pelas altas funções que ele desempenhou directamente ligadas com os processos de descolonização, nos vários governos em que participou como responsável da pasta da Administração e Coordenação Inter-territorial.
Se isto cumpre reconhecer ab initio, deveremos também acrescentar que se encontram na referida obra de Almeida Santos algumas passagens fortemente polémicas, que motivarão a discordância de muitos entre os quais me incluo.
Tenciono por isso dedicar-lhe algumas notas em artigos próximos.
AV_Óbidos_04 de Agosto de 2010
Sinto que começa a ser tempo de fixar no papel algumas impressões e pontos de vista pessoais, aqueles que só o próprio os pode dar. Não lhes chamo Memórias, porque serão apenas episódios, apontamentos, pequenas reflexões daquele memorável tempo.
A distância dos acontecimentos já admite alguma serenidade reflexiva e, entretanto, a experiência acumulada confere maior objectividade aos nossos juízos comparativos de acções e atitudes então experimentadas.
O tempo que é, inquestionavelmente, inexorável escultor vai modelando, apurando, o sentido crítico dos factos memorados, ganhando-se em perspectiva o que, inevitavelmente, se perderá em pormenor.
Muita coisa sobre a experiência africana, da guerra que Portugal aí sustentou, em três teatros distintos, separados por milhares de quilómetros, num esforço surpreendente para a sua dimensão e para os seus recursos, tem nos últimos anos vindo a lume.
Sob a forma de Memórias ou em versão ficcionada muita matéria tem sido publicada. Pode dizer-se que os historiadores do futuro ficarão com o trabalho facilitado perante tanta matéria-prima já produzida.
Durante o conflito e nos primeiros anos após o seu termo, pouca coisa apareceu sobre o assunto. Antes de Abril de 1974, era difícil que os relatos dessa experiência vissem a luz do dia, excepto se fossem inteiramente concordantes com a Política de então, não democrática, como sabemos, mas tão-pouco tenebrosa, sobretudo na sua fase derradeira, com Marcello Caetano, em que alguma contestação já era ousadamente praticada, sem a correspondente severa repressão do tempo de Salazar, mesmo se as principais estruturas e instrumentos dela, contraditoriamente com a descompressão política anunciada pelo próprio Caetano, permaneciam em vigor.
Convém dizer, todavia, que mesmo com Salazar, a censura prévia não se aplicava à publicação de livros, mas apenas à Imprensa, embora, após a sua edição, os livros pudessem vir a ser apreendidos, resultando daí prejuízo directo para o Editor, bem como para o autor, na forma de processo judicial ou policial, eventualmente incluindo processo na PIDE/DGS, a Polícia política do Regime, com prisão, muitas vezes com sujeição a maus tratos e tortura.
Neste enquadramento, era natural que os possíveis autores das memórias africanas não afectos ao Regime refreassem a sua vontade de as pôr por escrito. Além disso, o conflito decorria ainda e a sua perspectiva histórica também ainda se achava em formação.
Logo a seguir ao 25 de Abril, essa perspectiva tornou-se mais rapidamente perceptiva. Apesar de se viver em Liberdade, algo condicionada, no entanto, para os desafectos ou descrentes das risonhas visões socialistas do futuro, vivia-se sob o influxo de certo constrangimento cultural.
Por ele, ficava, na sociedade portuguesa, forçosamente diminuída a expressão de visões discordantes das revolucionárias dominantes, que, retenha-se, exaltavam tudo o que denegrisse o anterior regime, mesmo se partindo de confessados inimigos dos interesses de Portugal, mesmo se com isso se agredisse o próprio amor pátrio, então visto permanente e obsessivamente como suspeição de pró-salazarismo, quando não mesmo como manifestação de simpatia por qualquer regime de tipo fascista.
Esse clima de euforia revolucionária permitia absurdos como a glorificação de regimes altamente repressivos, desde que se denominassem «socialistas» ou «democracias populares», que de democracia nada tinham e, quanto a populares, estes regimes primavam pela mais fria repressão de qualquer tipo de contestação, cívica que fosse, porque sempre seria apodada de «subversiva», «a soldo do imperialismo» e outras amenidades do estilo corrente na época.
Parece-nos hoje inacreditável, como tanta gente, alguma com altas responsabilidades políticas e culturais, pessoas de indubitável valor intelectual, com méritos firmados em vários domínios da arte e da ciência, agiram com inteira cegueira política, subvertendo os ideais que eles próprios haviam invocado na luta que haviam travado contra um regime político que reputavam ditatorial.
Na verdade, como depois se tornou evidente para muitos, aqueles outros regimes que esta gente apoiava pelo mundo fora, os ditos socialistas ou os designados de democracias populares, revelavam-se incomparavelmente mais repressivos, muito mais cerceadores das liberdades individuais, com economias igualmente muito mais depauperadas, do que o regime que vigorava em Portugal, no tempo de Salazar e Caetano.
Os jovens dos anos 70 levaram algum tempo a perceber estas verdades comezinhas, enquanto durou aquela espécie de embriaguez revolucionária saída do 25 de Abril.
Só depois de Novembro de 1975, com a vitória dos militares moderados sobre os revolucionários, na tentativa de golpe por estes ensaiada, a normalização democrática permitiu a serena confrontação de ideias e o juízo equilibrado das alternativas políticas em disputa.
No que concerne à questão africana, base da principal contestação política final ao regime de Salazar-Caetano, tem de reconhecer-se a falta de visão política dos dirigentes ante-abrilinos, apesar de toda a experiência e maturidade supostamente neles presente.
Tendo desfrutado de longa tranquilidade política nos nossos territórios do ultramar, enquanto iam assistindo às independências das colónias africanas e asiáticas da Inglaterra, da França e da Holanda, na sequência do fim da 2.ª Guerra Mundial, concedidas de boa ou de forçada vontade, os governantes portugueses não aproveitaram, todavia, esse precioso período de tempo para preparar uma adequada e exequível alternativa política, que acautelasse os interesses de Portugal e de todos os cidadãos que lá viviam.
Mesmo acreditando no sentimento de particular afeição dos portugueses pelas terras africanas e asiáticas, era estrita obrigação dos governos de Salazar e Caetano acompanharem a alteração política que se ia desenhando no Mundo, relatiavamente aos domínios coloniais europeus.
A recusa em encarar qualquer solução política para os territórios coloniais que saísse fora do quadro da Constituição de 1933, deixou Portugal irremediavelmente amarrado a uma posição de rigidez insustentável no plano internacional.
É certo que as pressões que Portugal ia sofrer para conceder a independência a esses territórios, principalmente por parte de Americanos e Soviéticos, não eram inocentes, antes resultariam dos interesses que essas mesmas potências sobre eles nutriam, accionando para tanto os seus respectivos peões.
Historicamente, sempre os territórios portugueses de além-mar foram cobiçados. O episódio do mapa cor-de-rosa, que culminaria no Ultimato inglês de 1890, com efeitos acentuadamente traumáticos na consciência popular, habilmente explorados pelos republicanos para desacreditar o regime monárquico, foi mais uma demonstração dessa velha cobiça internacional, que nem a aliança mais antiga da Europa conseguiria esconjurar.
De qualquer maneira, caberia a Portugal compreender as circunstâncias políticas sob as quais os territórios poderiam ser mantidos, competindo-lhe estudar a melhor maneira de defender os seus interesses e os dos seus cidadãos, nas diferentes conjunturas políticas que começavam a tomar corpo no mundo saído da Guerra de 1939-45.
Nessa altura, os Movimentos de Guerrilha, também chamados de Libertação, eram incipientes ou nem sequer existiam ainda. Poderia ter havido alguma abertura política, no sentido de os fazer participar na administração dos territórios, permitindo a sua formação à luz do dia, em pé de igualdade com os demais cidadãos que aí viviam, brancos, pretos e mestiços.
Essa convivência política poderia servir para fomentar uma ulterior independência, com outra estruturação económica dos territórios e com plena manutenção da população europeia neles residente, factor fundamental para o desenvolvimento económico-cultural dos futuros estados.
Se porventura viesse a haver rejeição destes propósitos integracionistas, por parte dos referidos Movimentos, eles próprios se achariam depois em maus lençóis, desacreditados, e facilmente poderiam ser denunciados como agentes de interesses políticos alheios, como, na realidade, já se revelavam, pela inclinação ideológica perfilhada.
Mas a verdade é que, para que tivesse havido essa iniciativa política na questão africana, da parte de Portugal, era preciso que também aqui, na Metróplole, se desse a desejada abertura democrática. Neste ponto, porém, Salazar permaneceria inflexível, desperdiçando oportunidades.
Com Marcello Caetano, tal abertura afigurou-se possível, embora para a resolução do problema africano ela surgisse já um tanto atrasada no tempo, com a situação militar bastante degradada, sobretudo na Guiné e nalguns distritos de Moçambique, principamente nos de Cabo Delgado e Tete. Todavia, nada que não pudesse ser revertido, tivesse havido política inteligente e determinada para a enfrentar.
O imobilismo político de Salazar e Caetano teimava em ignorar a falta de adesão dos portugueses a uma Guerra que ameaçava prolongar-se indefinidamente, convivendo bem o regime com essa falta de convicção guerreira, conquanto as defecções das gerações em idade militar se mantivessem em níveis baixos ou moderados.
Entretanto, a corrupção da máquina militar avançava perigosamente, pagando-se para se obter especialidades não combatentes, pagando-se para fugir à mobilização para o Ultramar, metendo-se cunhas para, uma vez mobilizado, não se ir para o mato, etc., etc. Tudo isto era do conhecimento geral, incluindo, obviamente, das chefias militares.
A partir de 1968-69, sobretudo, com a entrada de Marcello Caetano, em Setembro de 1968, na Presidência do Conselho de Ministros, surgia um forte desejo de abertura e de reformismo, ao mesmo tempo acompanhado de uma onda de contestação juvenil internacional, muito acirrada, sobretudo, nos EUA e em França, tudo redundando numa insofismável quebra de espírito combativo, cada vez mais acentuada, só contrariado nas Tropas Especiais : Comandos, Pára-Quedistas e Fuzileiros Navais, que manteriam, até ao súbito desfecho de Abril de 1974, notável grau de aptidão para combate, de resto, reconhecido pelo próprio inimigo.
A forte mística destas Forças, sustentada no exemplo, no empenhamento, directo e destemido dos seus comandantes, criava nelas um ambiente de alta coesão e operacionalidade, muito distante daquilo a que se assistia na chamada tropa normal, de quadrícula, crescentemente desmotivada, mal instruída, mal preparada e mal enquadrada, mas, em todo o caso, fundamental como objecto de ocupação efectiva do território e como elemento de contacto directo da Administração com as populações indígenas, cuja cooperação e simpatia se procurava atrair e conservar.
No caso específico de Moçambique, nos anos que precederam o golpe revolucionário de Abril de 1974, apenas num breve período final de esforço militar, entre 1970 e 1972, com a passagem de Kaúlza de Arriaga pela Chefia suprema das Forças Armadas, em Moçambique, esse esforço combativo se manifestou em pleno.
Na realidade, só com o lançamento por parte de Kaúlza de Arriaga da célebre Operação Nó Górdio, com envolvimento de poderosos e numerosos meios de combate, foi possível infligir danos significativos nas forças e nas infra-estruturas da Frelimo em Cabo Delgado. No campo estritamente militar, nada de semelhante, todavia, teve sequência, voltando-se depressa à anterior rotina da apatia militar.
Julgo que a avaliação isenta da actuação deste General está por fazer, tendo a sua inclinação política algo extremista e de pendor racista prejudicado o seu nada despiciendo prestígio de estratego militar.
Algumas das suas análises políticas do conflito africano, nomeadamente a questão da sua integração no xadrez político internacional, no quadro da longamente prometida expansão mundial do Comunismo, então ainda em curso, em especial, na América Latina, África e continente asiático, aproximavam-se mais da realidade do que certas presunções, ingénuas, umas, coniventes, outras, dos grupos oposicionistas em Portugal.
De qualquer maneira, quando uma Nação, mergulhada num duradouro conflito militar, perde o entusiasmo de lutar, por falta de convicção política nos fundamentos desse combate, como sucedia no caso português, após um período inicial de inequívoca demonstração de bravura e de firmeza, na condução da contra-guerrilha, começa inevitavelmente a criar-se um sentimento de dúvida e de crescente apatia, entre os seus filhos, o qual, mais cedo ou mais tarde, acaba por revelar-se fatal para o desfecho desse conflito.
Neste estado de espírito dominante, o Exército, no final da décda de 60, já se arrastava com nítida quebra de agressividade, quase se limitando a ocupar território, dissuadindo, quase só pela mera presença, um inimigo, felizmente para nós, pouco numeroso e tecnicamente pouco evoluído, ao contrário do que o ultra-nacionalismo da Frelimo fazia crer e os oposicionistas portugueses inconsciente ou malevolamente depois repetiam sem cessar, em todos os comícios e em todos os órgãos de Comunicação Social, moldando a consciência cívica dos portugueses.
Para nosso maior espanto, ainda hoje o fazem alguns auto-proclamados anti-fascistas portugueses, apesar dos anos passados e da evidência do fraco poder militar da Frelimo, logo posto de manifesto, após a independência, com o aparecimento da guerrilha da Renamo que rapidamente conseguiu, então sim, paralisar Moçambique, destruindo as principais vias de comunicação, isolando províncias, espalhando o pânico e o caos entre as populações.
Na verdade, uma coisa é industriar gente para colocar minas nas picadas, disseminar pelo interior da savana grupos de guerrilheiros para fustigar colunas e aquartelamentos militares, fugindo rapidamente logo a seguir, outra, muito diversa, é assegurar a lei, a ordem e o funcionamento da actividade económica normal num País inteiro.
Isso foi o que aconteceu durante o tempo em que a Frelimo nos guerreou, em que, pese o escasso empenho militar dos portugueses, principalmente depois de 1969, nunca a acção guerreira daquela logrou afectar o desenvovimento económico normal do território, muito menos paralisar as suas actividades regulares.
No entanto, à medida que a guerra se prolongava, sem iniciativa política que lhe vislumbrasse saída, com a absurda equiparação da valia dos territórios na estratégia nacional, crescia o desânimo entre os portugueses e, em particular, entre a sua juventude, sobre quem caía, sublinhemo-lo, o peso efectivo do esforço militar.
O caso da Guiné, por exemplo, deveria ter sido desde muito cedo dissociado dos de Angola e Moçambique. Nada justificava um índice tão alto de baixas militares na Guiné, território comprovadamente desprovido de recursos económicos ou de importância estratégica.
É certo que, se Portugal assim procedesse, poderia ser e seria, imediatamente, acusado de conduzir uma política de calculismo, de cinismo e de incoerência, mas toda a política se pratica num contexto real, marcado de contradições, de imprevistos e não asséptico, idealizado ou académico, obrigando a sua concretização à constante aferição das circunstâncias que a condicionam.
Quando hoje vemos a desgraça em que se transformou a Guné, dói-nos lembrar que tantos dos nossos compatriotas por lá deixaram a vida, na força da juventude, generosa de esforço e de idealismo, ali ceifados por algo que não deu em nada, nem o sangue vertido dessas sacrificadas gerações haveria de despertar sequer um laivo de dor no coração dos demais portugueses, alheios a tal esforço, quando não dele mesmo recriminadores.
Assim aprendemos o que custou a política errada ante-abrilina e a visão egoísta ou leviana dos dirigentes revolucionários que se lhe seguiu, que nem aos mortos prestou homenagem, ignorando-os ou até, com total inconsciência histórica e política, inculpando-os do seu próprio infortúnio.
Creio que virá um tempo em que outros juízos avaliarão melhor tanto sacríficio ingloriamente despendido em África, por centenas de milhares de jovens portugueses, que acabaram por ali sofrer duplo opróbrio, vítimas de uma política errada, inflexível e desajustada das circunstâncias e depois esquecidos, depreciados, como esqueletos incómodos de família decaída guardados em velhos armários esconsos.
Por estas atitudes desonrosas muitas figuras históricas ante e pós-abrilinas um dia pagarão o seu quinhão de responsabilidade, se não política, pelo menos moral, se não em vida, certamente a sua memória, porque os juízos mais ponderados de certos acontecimentos históricos só sobrevêm ao fim de longos anos, quando da cena política e social tiverem já desaparecido os seus protagonistas dominantes e os seus inevitáveis acólitos favorecidos, pinguemente premiados, dando lugar a outros intervenientes, de critério mais são, mais justo, libertos de subserviências e vassalagens, então descabidas e sem préstimo.
Nestas coisas, deve haver clara separação de responsabilidades. O regime político de Salazar-Caetano responderá, no juízo da História, pelos seus erros e desacertos, mas já não é admissível que lhe sejam assacados os demais erros que foram cometidos pelo regime que veio depois, revolucionário, primeiro, a seguir tornado democrático. Não é sequer digno que assim se proceda.
Sabe-se que há erros políticos, cometidos num dado período histórico, por certa geração de dirigentes políticos, que causam condicionamentos ulteriores díficeis ou impossíveis de alterar para os que, à cabeça do Estado, têm de continuar a sua acção politíca.
Acham-se estes depois fortementos limitados na sua capacidade de mudar o rumo tomado dos acontecimentos. Todavia, esta comprovada situação não elimina a responsabilidade dos novos agentes políticos.
Cada geração, cada indivíduo, respondem, ante os seus semelhantes, pelas acções que praticam, nas circunstâncias em que são chamados a intervir.
Salazar e Caetano respondem pelo que fizeram ou deixaram de fazer, quando dirigiram a Nação. Os dirigentes políticos que depois deles vieram, uns revolucionários exaltados, outros moderados democratas, terão de assumir a sua quota de responsabilidade pelos acontecimentos políticos que a sua acção desencadeou, na Metrópole e, sobretudo, no Ultramar.
Não é aceitável que se diga desprendidamente que tudo o que foi feito no Ultramar, no capítulo da Descolonização dos territórios, foi o possível, pelo condicionamento político legado do anterior regime, agravado pela falta de combatividade das tropas na altura estacionadas nos territórios.
Esta atitude, traduzindo já certa evolução política da que antes designava aquela Descolonização simplesmente como exemplar, continua a ser insatisfatória, por pretender desresponsabilizar os agentes políticos dela.
Nem os próprios a deveriam perfilhar, porque lhes retira mérito interventivo, figurando-os como meros autómatos consumadores de decisões alheias.
É preferível confessarem o seu fracasso em sustentar posições políticas próprias, correspondentes aos interesses do seu País, a atribuirem as suas falhas aos políticos anteriores ou aos militares que cumpriam comissões em África.
Esta posição, contudo, é a que se colhe de algumas memórias de responsáveis políticos da Descolonização, em particular, dos livros, sobre este tema, para nós eternamente polémico, já escritos por Almeida Santos, os seus dois grossos volumes, intitulados «Quase Memórias», vindos a público, em 2006.
São mais de mil páginas escritas em bom português, releve-se, que tratam da questão das colónias portuguesas, nos períodos de antes e depois de Abril de 1974. No primeiro volume, Almeida Santos aborda fase, ou melhor, os malefícios do Colonialismo e, no segundo, os processos de descolonização, colónia por colónia, com bastante pormenor informativo.
Pela iniciativa de nos apresentar a sua versão dos acontecimentos, teremos de louvar Almeida Santos, embora todos sentíssemos que tal tarefa nos era devida, pelas altas funções que ele desempenhou directamente ligadas com os processos de descolonização, nos vários governos em que participou como responsável da pasta da Administração e Coordenação Inter-territorial.
Se isto cumpre reconhecer ab initio, deveremos também acrescentar que se encontram na referida obra de Almeida Santos algumas passagens fortemente polémicas, que motivarão a discordância de muitos entre os quais me incluo.
Tenciono por isso dedicar-lhe algumas notas em artigos próximos.
AV_Óbidos_04 de Agosto de 2010
( Continua )